O que é uma mercearia?


Não é um mercadinho. Não é um empório. Não é um bar. Não é uma birosca. Não é um simples armazém. Não é uma quitanda. Não é uma padaria. Não é um bazar. Não é um magazine. Não é um mangaio. É tudo isso sem ser exclusivamente uma coisa só.

Segundo o dicionário Priberam da Língua Portuguesa, "mercearia" é 1. Comércio ou loja de gêneros alimentícios, especiarias, etc. 2. Obrigação de fazer certas práticas religiosas; segundo o dicionário Michaelis, é 1.Comércio de objetos de pouco valor, 2. Loja onde se faz esse comércio, 3. Loja de gêneros alimentícios e produtos de uso diário; tenda. Logo se vê, entretanto, que mesmo os dicionários não dão conta da complexidade da mercearia, que mais ou menos só pode ser considerada a mesma coisa de bodega em função do comércio de secos e molhados ser comum a ambas, mas que muito mais é do que um simples comércio de gêneros de primeira necessidade.

Veja-se que a variedade de coisas que podem caber em uma mercearia é tão imensa que não há, praticamente, classe de bugigangas e alimentos que não possa caber nela. Tudo é passível de entrar neste comércio, desde que haja alguma demanda percebida pelo merceeiro. Tabaco, plásticos, latarias, doces, laticínios, matinais em geral, higiene e cosméticos simples, grãos e cereais diversos, molhados como carnes, bebidas, etc. Essa é a legítima mercearia: que tudo fornece ao cliente para que ele realize sua feira, ou como já foi dito um dia, sua mercearia.

Também, é proeminente a figura do dono, quase sempre uma figura ou bastante simpática ou demasiadamente emburrada (pois é, existem alguns deste tipo que fazem ótimo negócio, sabe-se lá Deus como). Faz-lhe sombra a família, que o auxilia na limpeza e na manutenção geral da estrutura do comércio, sempre oculta ou ocupada atrás do balcão, que por sua vez também é outra característica essencial da mercearia, sem a qual perde-se o essencial do atendimento especializado.

Nos tetos das bodegas temos coisas das mais inusitadas dependuradas como morcegos, às vezes por falta de espaço mesmo, às vezes por puro capricho do proprietário do estabelecimento. As cores do espaço são sóbrias, dominando o verniz e a madeira no ambiente que inspira solidez. Ao fundo, um rádio Yruama ou Campeão chia baixinho uma música antiga ou o Voz do Brasil, ritmada com versos melodiosos. A iluminação é deficiente diante do horário quase sempre estendido que a mercearia permanece à espera do cliente. Cliente que tem seu nome anotado no caderno, que faz parte de sua feira todos os dias 01, a fim de garantir que o salário pague corretamente as contas e o alimento a ser consumido naquele mês. E a listinha sempre é levada, seja pelo esposo, seja pelo molequinho imberbe.

Um crucifixo ou uma imagem dos Sagrados Corações rebrilha em algum cantinho perto de alguma porta do comércio, demonstrando a piedade discreta do merceeiro, que frequenta as missas dominicais e paga seu dízimo como de costume. Os nomes das mercearias, até, muitas vezes remete ao santo de devoção da família, o orago que tem seu altar nas casas tradicionais. Outras vezes é o sobrenome do dono, o apelido ou uma nomenclatura em diminutivo, dando ideia de capricho.

O caixa fica sempre ou em cima do balcão ou atrás dele, não muito distante dos passos atentos do dono, que pode bem administrar as compras de atacado falando alto quantas unidades​ de latas de Minancora quer, ou quantos pacotes de sabonete prefere comprar naquela ocasião. Mercúrio Cromo ainda tem, obrigado. Rapé, talvez dez latinhas. Umas 3 de Vick, e outras cinco de brilhantina Promesa (que nunca sai de moda).

Tudo isso não quer dizer que os espaços não possam ser adaptados devidamente para se tornarem mercearia, porém as características principais que sempre fizeram uma, acima estão demonstradas. 

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