Histórias de Miguel - Corpo fechado
Era um senhor alto, moreno, da voz grave e pausada. Me lembro dele sempre vestido com roupas sociais de gola curta brancas, de conhecer minha avó e meu avô e de residir na cidade de Serraria, que dista uns 25 Km de Solânea, onde fica a mercearia de meu avô. Fumava e trescalava certo aroma forte de cigarro artesanal, como falei acima, sempre abordando coisas típicas de pessoas que passaram toda a vida na zona rural: plantações, climas, chuvas, produtos industrializados de antigamente, estórias de trancoso e assombrações.
Foi numa tarde de sábado, já sem grande movimento devido ao fim da feira municipal, que ele se acomodou no chão limpo da calçada, perto de onde estava minha avô, sentada em um tamborete. Ele cumprimentou Dona Aurora:
-- Boa tarde, dona.
-- Boa tarde, seu fulano [o nome dele me fugiu agora]. Como vão as coisas em Serraria? Perguntou minha avó no automático, olhando para baixo e empurrando as cutículas das unhas.
-- Vão boas, graças a Deus. Ando só com umas dores nos quartos, mas vai tudo em ordem... Falou olhando para o nada do outro lado da rua.
-- Esse tempo de preparação [para chuva] é assim mesmo. Também sinto umas dores nas juntas... Reumatismo atacando! Meus joanetes esperneiam de dor também.
O papo foi sendo jogado fora e lá pela meia-ora abordaram o tema do Corpo Fechado. Como a ignorância religiosa (não no mal sentido, como pode soar para quem ler estas palavras no Nordeste, mas no sentido de desconhecimento mesmo) campeia naquelas margens, a conversa até assumiu ares de inocência por parte de minha avó, que não conhecia o fato de que o senhor estava tratando de uma oração de macumba -- que Frei Damião não ouiça:
-- É. Fulaninho conhecido meu, filho de Seu Duda, fugiu corrido de Serraria. Alguém estava vexado atrás dele, armado e tudo, e até tem história de uma oração que ele rezava para não ser baleado... Deus me livre! Disse minha avó.
-- Olha, se eu disser pra sra., dona Aurora, posso até passar por mentiroso, mas aprendi uma oração de São Cipriano para fechar o corpo.
-- Ixi. Deus o livre... Mas já ouvi história assim.
-- Outra vez fui pego num tiroteio brabo, bala varando do meu lado, raspando a camisa. Era muito jovenzinho e ignorante das coisas, mas aprendi a oração de um senhor velho. Olha, mas se eu disser pra sra. que eu via as balas passando perto de mim e nenhuma pegou no meu corpo? Tinha feito a oração e não teve um fulano que me pegasse. Fiquei invisível!
-- Acredito. Já ouvi falar dessa oração de São Cipriano, mas dizem que tem coisa errada misturada no meio.
-- Isso dai não sei. Mas sei que nenhuma bala me pegou. Fiquei invisível. A oração faz a mesma coisa que a do Corpo Fechado, disse o senhor com cara de apalermado.
-- Gosto nem de falar nessas coisas, finalizou minha avó rindo.
Foi assim que eu ouvi falar da história da oração de são Cipriano (não confundir com o verdadeiro São Cipriano de Cartago) e da história do tal Corpo Fechado.
-- É. Fulaninho conhecido meu, filho de Seu Duda, fugiu corrido de Serraria. Alguém estava vexado atrás dele, armado e tudo, e até tem história de uma oração que ele rezava para não ser baleado... Deus me livre! Disse minha avó.
-- Olha, se eu disser pra sra., dona Aurora, posso até passar por mentiroso, mas aprendi uma oração de São Cipriano para fechar o corpo.
-- Ixi. Deus o livre... Mas já ouvi história assim.
-- Outra vez fui pego num tiroteio brabo, bala varando do meu lado, raspando a camisa. Era muito jovenzinho e ignorante das coisas, mas aprendi a oração de um senhor velho. Olha, mas se eu disser pra sra. que eu via as balas passando perto de mim e nenhuma pegou no meu corpo? Tinha feito a oração e não teve um fulano que me pegasse. Fiquei invisível!
-- Acredito. Já ouvi falar dessa oração de São Cipriano, mas dizem que tem coisa errada misturada no meio.
-- Isso dai não sei. Mas sei que nenhuma bala me pegou. Fiquei invisível. A oração faz a mesma coisa que a do Corpo Fechado, disse o senhor com cara de apalermado.
-- Gosto nem de falar nessas coisas, finalizou minha avó rindo.
Foi assim que eu ouvi falar da história da oração de são Cipriano (não confundir com o verdadeiro São Cipriano de Cartago) e da história do tal Corpo Fechado.
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