Histórias de Miguel - As sardinhas enlatadas
Era a década de 1970.
As mercearias ainda dominavam com folga o comércio de secos e molhados no interior e somente elas, com mais alguns poucos abastados, tinham acesso a novas tecnologias e outras já consagradas, porém caras e inacessíveis.
A Sortidinha teve o privilégio de ter acesso, por exemplo, a um dos primeiros e legítimos "tijolões" dá BCP (para os leigos, operadora de telefonia que antecedeu a TIM Brasil), realmente pesado, realmente grande e realmente inútil. Nunca consultei o detalhe, mas à época talvez o telefone nem tivesse sinal em nossa cidade, uma vez que a penetração do celular demorou bem para acontecer, já sob a égide da TIM. O aparelho nunca foi utilizado para fins comerciais e agora pertence ao neto do antigo dono -- eu.
Mas a história é a seguinte: certa feita meu avô estava de papo para o ar, sem ter o que fazer no estabelecimento, e resolveu ligar de novo para um conhecido merceeiro da cidade. Ele era meio carrancudo e fazia uma concorrência indireta para meu avô, cuja mercearia era das principais do Centro de Solânea.
-- Alô?
-- Alô? Quem fala? respondeu o amigo dono da bodega.
-- É Ednaldo, camarada.
-- Diga...
-- Não... É por que eu queria saber se você tinha sardinha enlatada aí, perguntou meu avô.
-- Tenho sim. Tem de tal qualidade e dest'outra, respondeu o merceeiro.
-- Ô fulano, era só pra te falar: solte as bichinhas. Tenha coração, estão todas presas...
O dono da concorrência desligou o telefone falando palavrões e mandando o homem arrumar trabalho e meu avô, junto com os filhos que espiavam, riram cachoeiras.
Era um dos primeiros trotes da época em Solânea.


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