O lugar dos produtos artesanais na mercearia

Fachada de uma das mais tradicionais mercearias do país, a Paraopeba (MG)

Os produtos artesanais conheceram até meados do século passado sua pujança, quando as mercearias e mesmo os grandes mercados comercializavam os artigos de curto prazo de validade ou feitos manualmente sem a exigência de uma padronização ou nível sanitário que não lhe inviabilizasse sua existência. Os enlatados no Brasil só conheceram grande difusão menos de quarenta anos antes, a partir de São Paulo, quando o conhecidíssimo Francisco Matarazzo popularizou os enlatados de carnes e embutidos. Afora isso, dominavam os defumados, os produtos vendidos a granel e outros artigos engarrafados ou embalados de necessidade doméstica.

Esta semana, muito a propósito, estive lendo uma crítica bastante sensata a respeito de nossa sociedade: produtos embalados industrialmente, um a um; consumo desenfreado; descarte de produtos e equipamentos que outrora duravam até gerações; adoção de modas feminilizadas por homens e dissolução da diferenciação entre os sexos; desaparecimento de verdadeiras casas comerciais masculinas, como lojas de ferramentas especializadas para carpintaria, alfaiatarias ou barbearias; tudo, enfim, conflui como sintoma de uma sociedade doente, altamente sensibilizada e feminilização, propensa ao desastre do psicologismo e da sentimentalização das ações abstratas e concretas. Foi esta sociedade que pôs fim a todo uma estrutura social, que inclusive era a base de sustentação das mercearias.

O lamentável do fim dos produtos artesanais, sobretudo, significa a quebra dos costumes e técnicas que eram necessárias para a feitura dos produtos, além, é claro, do desaparecimento de artigos altamente apreciáveis que justamente pararam de ser confeccionados pela ausência de demanda e pela rejeição social. Ainda que modismos, que vem e vão ao sopro das recomendações volúveis das mídias, tragam ocasionalmente algo tradicional ao mercado, é para disputar com os seus inimigos que lhe tomaram o posto nas prateleiras.

Vejam as prateleiras: produtos criados e produzidos em quantidade babilônica, às vezes nem ao menos com contato humano, ostentando nas embalagens o título de "produzido sem contato manual". Caixas de produtos descaracterizados, inorgânicos, feitos com quantidade altamente racionalizada de ingredientes nobres, para poderem ser facilmente descartadas em caso de encalhe oi estouro do prazo de validade.

Eu fui testemunha pessoal disso em uma das maiores cadeias de varejo do país: vi mais de 200 caixas de chocolate, que não custam pouco, serem desmanchadas e descartadas devido a uma semana de fim de validade. Vi caixas e mais caixas de panetones nobres serem consideradas "perdas", e devido ao mesquinho sistema de destruição adotado pelas grandes lojas, serem picotadas em um saco de lixo.

A melhoria das técnicas de produção e cultivo de alimentos, bem como a descoberta e o emprego maximizado de elementos químicos, trouxe a tona o pior do ser humano: o fim da economia, o esbanjamento que antes era a vergonha caractetistica dos abastados, o aumento drástico da produção para responder ao desperdício infrene.

Diante de tudo isso, a mercearia tem de se adaptar e, por assim dizer, santificar o meio profano que encontra: deve estimular a economia e responsabilidade para seus fregueses, sem cair no entanto neste modismo ridículo de veneração gnóstica ao planeta. Há de ser uma educação viril. Deve privilegiar a venda a granel, evitando desperdícios imbecis. Deve estimular a venda de produtos artesanais e orgânicos, sem todavia cair na hipocrisia alquimista que tudo condena por ser industrializado. Deve incentivar a venda de leguminosas e grãos, doces e preparados, feitos todos por membros da comunidade, incentivando assim a independência das famílias e a valorização das tradições e técnicas necessárias para a fabricação do que é bom.

Como Gustavo Coração já destacou em Três Alqueires e Uma Vaca, parafraseando G. K. Chesterton, devemos valorizar este cenário familiar, onde a hierarquia prevalece e os valores são cultivados. São eles que salvarão a sociedade de sua queda definitiva.

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