A branquinha

- Teu avô foi para Campina [Grande]. Fique com seu pai na bodega... dizia minha mãe há oito ou dez anos atrás. Vovô havia ido para o Brasil Atacado, para a Casa dos Fogões, para a Praça da Bandeira, para a Rodoviária Velha, para a Rua do Chope do Alemão, enfim: era dia de compra para a mercearia.

E foi em um desses dias que chegou meu primeiro amigo degustador de cachaça. Não era cachaceiro, pois definir os limites entre degustador e fanático é difícil. Simplesmente era uma pessoa alegre, feliz.

Sua roupa era meio rota. Tinha os olhos lacrimejantes e o rosto meio ressequido. Os olhos? Baços. Chegou em um dia quente, pra variar, lá pelas 14:00. A poeira tradicional da mercearia estava lá, grudada na minha mão que nem fuligem. E, de repente, apareceu no balcão com um gesto mudo: indicador e polegar com uma medida despretensiosa.

Olhei pr’aquilo e fiquei pensando. Meu pai atrapalhou a meditação e falou: - Vai! Pega a dose dele!

Nunca tinha colocado uma dose. Nesse meio tempo pai foi atender outro cliente e eu, maquinalmente, peguei o copo de vidro antigo, emborcado na travessa de alumínio, e coloquei em cima do balcão. Maquinalmente despejei uma quantidade que eu acreditava ser uma dose. Tentei ficar um pouco escondido, atrás da balança Filizola, para entregar no "susto" a dose do homem. Um pouco menos que meio copo.

O sr. pegou do graal e despejou choroso na boca sequida. Olhei satisfeito porque ele não reclamou. Vá lá: a cena era bonita mesmo, já que parecia que ele realmente estava matando a sede. Me deu uma nota e eu não sabia quanto custava a dose: meu pau falou que custava 1,50. Era uma dose de Rainha, da indústria dos Bezerra, mais cara do que as cachaças de cabeça, brejeiras.

Mais tarde aquele senhor voltará mais duas vezes, pelo menos. Repetiria o ritual já numa idade caquética. Saia tremendo de calor e rindo.

Meu avô dirá dias mais tarde, quando a cena se repetir: Coloca menos cachaça. Tá colocando muito.

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